Como eu era antes de você...

Não havia controle. Aguardava ansiosamente por seu “bom dia” cheio de letras e com toque de esperança. As mesmas palavras ditas por outra pessoa não tinham o mesmo significado, parecia vazio e inexpressivo. Proferidos por ela era possível ouvir sorrisos em seus olhos, cheios de expectativa de um dia bom. Talvez até incumbissem que o dia fosse realmente agradável. 
Seu “boa noite”, em contrapartida, era carregado de pesar e de melancolia. Talvez temesse o anoitecer, as horas livres que antecediam o sono. Imagino-a fitando o teto com seus olhos semicerrados, buscando em seu íntimo motivos para sorrir, repassando o dia e projetando um amanhã distinto, possivelmente mais cheio de vida. Ou, em dias mais amenos, dava um longo suspiro e agradecia, acompanhava sua respiração por alguns segundos e sentia o alívio de existir, no sentido mais profundo da palavra. Não havia domínio. 
Conseguia sentir sua confusão, um mundo novo se abrindo e infiltrando lugares contidos e adormecidos. Um mar de dúvidas se apossando ao seu redor. Uma tensão em suas mandíbulas, sufocando palavras e pensamentos incertos. Mais uma vez em sua vida engoliria a seco tudo aquilo sem pestanejar e buscaria manter uma distância segura. Distante o suficiente para se alocar em seus devaneios e se perder em seu labirinto interno. 
Talvez minha intenção de incitá-la a buscar mais tenha sido aterrorizante. Como um cão sedento e estabanado buscando água para se refrescar, com passadas largas e desenfreadas, derrubando tudo a sua volta. Quiçá, a profundidade tenha que ser consumida de forma comedida. E as águas escuras que contornam meu corpo sejam geladas e impenetráveis para um convívio diário. 
Não havia porvir. Um acordo taciturno entre cavalheiros findava nosso encontro, compreendíamos que o percurso havia sido sinuoso e que tínhamos uma bifurcação à nossa frente, que não tínhamos controle ou domínio, poderíamos tentar eleger um caminho, mas este caminho seria delineado por e para nós. Ela sussurrou com lábios trêmulos “bom dia” com nuances de “boa noite”, retruquei sorrindo com um entusiasmado incomum “Bom dia”, enquanto nossos passos se desenhavam e iluminavam delicadamente frente aos nossos olhos.  




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