Ela vem de longe...
Eu
sempre tive curiosidade sobre a morte, como grande parte dos seres humanos, eu
sempre quis saber mais sobre essa “peça” que a vida nos prega cotidianamente. A
morte está presente no nosso dia-a-dia, direta e indiretamente, real ou simbólica,
ela está lá e não há nada que possamos fazer.
Cresci
ouvindo meu pai dizer que havia me dado a vida duas vezes, meu nascimento, óbvio,
e relembrando um episódio de febre seguido de convulsão após uma ida ao cinema
em meu tenro um ano de idade, também ouvindo diversas vezes que, com poucos meses, um primo estava
brincando e quase me derrubou de cabeça no chão.
A
morte parece brincar com a vida desde quando me conheço por gente... a morte sempre está presente. Indiretamente, ao fato de eu ter nascido no mesmo dia em que
minha falecida avó (acontecimento prematuro, ela morreu aos 30 e poucos anos, fato que marcou a
família) e às assombrações que esta relação me remetiam. Será eu a reencarnação
de um ente querido? Temos alguma semelhança além do aniversário? Por anos eu ficava apreensiva no dia em que ela havia morrido (uma semana antes de nosso aniversário), pois... e se acontecesse o mesmo comigo? Por outros muitos anos, acreditei que iria
morrer jovem como ela... que estava fadada ao mesmo destino.
Sei
que já morri um pouco, de forma simbólica, contudo tão agressiva como a real... Morri a primeira vez aos cinco anos, posteriormente morri a cada falecimento de pessoas queridas,
meu primeiro cachorro, meus dois pintinhos e meus dois pássaros cabeça-vermelha. Ao escrever meus
poemas e ao término de meus livros lidos. Morri aos quinze quando propositalmente
encarei a morte e não consegui enfrentá-la ou aos vinte e sete quando enfrentei
a morte acidentalmente e rezei para não a encarar.
São pequenas doses diárias, comedidas para a
maioria das pessoas, eu confesso... doses que devem ser bem ministradas, muitas
vezes esquecidas... mas valiosas para se viver a vida. Não existem caminhos
mais antagônicos do que se viver a vida com medo da morte ou morrer um pouco a
cada dia com medo da vida.
A morte de Vinícius de Moraes (1954):
A morte vem de longe
Do fundo dos céus
Vem para os meus olhos
Virá para os teus
Desce das estrelas
Das brancas estrelas
As loucas estrelas
Trânsfugas de Deus
Chega impressentida
Nunca inesperada
Ela que é na vida
A grande esperada!
A desesperada
Do amor fratricida
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida.
A morte de Carolina Malaquias (2011):
Quando meu corpo,
Pálido e gelado,
Existir e meus olhos,
Sem brilho e sombrios,
Estiverem fechados,
Não me santifique.
Lembre-se das feridas
Que deixei em aberto.
Lembre-se como era
Intensa e contraditória.
Lembre-se da existência
E não apague as marcas,
Os risos e os abraços.
Quando de minha boca
Não existir mais sorrisos,
E de meus braços calor,
Faça-se esquecer.
Não vele este corpo
Sem essência e sem pulso.
Deixe-me em silêncio.